Apenas um lugar para a gente pensar junto...

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

SER HUMANO


Pense um pouco e pondere comigo:
1. Como as irmãs de Lázaro se sentiram por Jesus não ter atendido imediatamente ao seu pedido de socorro, sabendo que ele estava a menos de trinta minutos de distância de Betânia? (João 11)
2. O que passou pela cabeça de Pedro ao ver-se flagrado por Jesus após o canto do galo que denunciava sua traição? (Lucas 22)
3. Como se sentiu aquele pai que ao rogar pela cura de seu filho doente em outra cidade, ouviu que podia retornar que o garoto estaria curado? (João 4)
4. Qual terá sido a reação da viúva de Naim ao ver um estranho se aproximar do caixão de seu filho de forma furtiva, minutos antes do restauração da vida do rapaz? (Lucas 7)
5. Como os discípulos olharam para Jesus ao vê-lo dormir enquanto o barco onde estavam se enchia ao ser açoitado pelas ondas? (Marcos 4)
7. O que Pedro, João e Tiago sentiram ao ver Jesus chorando e rogando por sua própria vida em sua última noite? (Mateus 26)
6. Qual o sentimento daqueles mesmos discípulos no Getsêmani ao se perceberem tendo dedicado três anos de suas vidas a um profeta e o verem sendo levado sem qualquer reação ao encontro da morte? (Mateus 26)

Esses episódios são apenas alguns dos exemplos bíblicos que passam despercebidos por nós no aspecto da emoção humana. Eu não hesito em afirmar que ali estavam presentes a decepção, revolta, angústia, pavor e coisas semelhantes. Sintomas que denunciam tão somente a humanidade daqueles personagens.
Nenhum daqueles homens e mulheres eram "super qualquer coisa", mas pessoas de carne e osso enfrentando seus dilemas mais profundos ao se depararem com uma pessoa de quem esperavam, muito provavelmente, uma reação diferente, ou talvez, em um primeiro momento, mais especial.
As irmãs de Lázaro, como eram muito amadas pelo Mestre, certamente esperaram um tratamento diferenciado. Pedro, uma reprimenda imediata vinda dos céus. Aquele pai deve ter esperado mais atenção de Jesus. A viúva certamente se sentiu ultrajada. Os discípulos no barco imaginaram que suas vidas não tinha o menor valor. E os três, ao verem a cena da oração, decepcionaram-se com a fragilidade de alguém que várias vezes se mostrou inabalável e provavelmente lamentaram o tempo que perderam com ele. São todas cenas com cheiro de gente!
Admira-me muito cobrarmos de nós mesmos e dos outros reações diferentes, como se fôssemos melhores que aqueles que conviveram ou tiveram um encontro real com Cristo. A nós é proibido emoções semelhantes como se não nos corresse nas veias sangue. Pura pretensão!
Não me atrevo a ir além daqueles porque não me vejo em situação mais privilegiada. Sou tão humana quanto. Talvez o que nos distinga deles seja a visão posterior de tudo com a certeza da motivação que havia por trás, a própria Bíblia nos esclarece, mas isso não precisa ser necessariamente uma vantagem porque a distância também embota a cor do momento.
Por ser gente dou-me o direito de duvidar, de frustrar-me, de impacientar-me, porque não posso ser diferente nem quero me neurotizar. Preciso diariamente da misericórdia divina porque são essas mesmas reações que me lembram do fosso que há entre nós e Ele.
Sejamos mais maduros. Não alcançamos ainda a estatura de perfeição que nos está reservada e enquanto estivermos por aqui é assim que será, por mais que almejemos o contrário. Querermos diferente é tornarmo-nos candidato à hipocrisia mais deslavada ou a uma vida patética de mero cinismo religioso, o que não valeria um tostão na prática cristã.

Ana Valéria

Texto publicado no jornal O Povo, com o título "Apenas Ser Humano" em 16 de abril de 2011
http://www.opovo.com.br/app/opovo/espiritualidade/2011/04/16/noticiaespiritualidadejornal,2128142/apenas-ser-humano.shtml

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Naufrágio

Ainda esses dias estava me lembrando de um momento vivido na minha infância. Quando menina era apavorada com histórias de fim do mundo. Essas coisas chegavam a me tirar o sono. Recordo então que certo dia uma outra criança veio me falar justamente sobre a certeza que um dia o mundo deixaria de existir com fogo, tirando-me a paz. Fiquei em pânico, não podia acreditar! Pensei logo que precisava me certificar da veracidade daquela informação. Dessa forma, com a expectativa da destruição vindoura, fiz o que qualquer criança faz: procurei meu pai. Na época talvez tivesse uns oito anos.
Diante do meu questionamento e, talvez, pela minha cara de pavor, ele compreensivelmente logo procurou sanar todas as minhas angústias e me afirmou, com a certeza que só os pais têm, que o mundo nunca se acabaria, que quem se acaba são as pessoas.
Você não tem idéia de como isso me tranquilizou. Assumi completamente a sua fala: o mundo não vai acabar! e não deixei mais que me apavorassem com aquele tipo de vaticínio descabido.
Por que estou falando sobre isso? Para dizer que sinto falta dessa época. Época em que a afirmação de meu pai era suficiente para me tranquilizar a alma. Época em que bastava a certeza de alguém para que essa passase a ser minha também. Época de uma doce ingenuidade. Época em que a verdade era uma certeza inquestionável e plenamente aceitável. Mas, essa menina deixou de existir.
Hoje duvido de quase tudo e sofro com isso. Às vezes a ignorância é terapêutica pois nos dá algo a que nos agarrarmos, nem que seja à convicção do outro. Por isso, sinto saudade de mim mesma, da serenidade de um mar domado, principalmente no quesito religião.
Passeio entre rincões sagrados hoje e não consigo mais ter as mesmas certezas de vinte anos atrás. Duvido de muitas letras de músicas cristãs; escuto com desconfiança a fala de muitos líderes engravatados atrás de seus púlpitos elevados; ponho em xeque muitas afirmações de best-sellers gospel; sinto náuseas ao assistir alguns programas, ditos, evangelísticos e não me sinto mais à vontade em lugares que antes para mim eram tradicionalmente cantos de presença do divino.
Minha devoção à Bíblia passou a ter outro sabor: matizaram intensamente minha visão do mundo, tornando-o mais humano e menos pio. Também já não consigo fazer com que certas coisas caibam absolutamente dentro de afirmações livrescas, porque vejo-as maiores que essas. E já não tenho mais resposta para tudo, ou, pelo menos, dou-me o direito de não tentar mais ter. Dessa forma, vejo-me constantemente assaltada por dúvidas avassaladoras que me tomam as únicas "certezas" que ainda carrego, fazendo-me sentir, em muitos aspectos,  inveja da calmaria em que vivia.
Nos dias da minha infância, bastava correr aos braços do meu pai. Hoje isso já não me basta, aquela doce passividade perdeu-se com o tempo e a experiência. Sou naufrágios em pessoa. Esgarço-me diariamente. Contudo, é certo que de algum modo é bem mais doloroso viver assim. A "não-ignorância" tem seu preço. Mas, sinceramente, ainda prefiro estar como estou a me ver tão facilmente carregada de um lado para o outro, à deriva, por convicções propagadas por outros, que não minhas.

Texto publicado no jornal O Povo, coluna espiritualidade, em 16/07/2011:
http://www.opovo.com.br/app/opovo/espiritualidade/2011/07/16/noticiaespiritualidadejornal,2268183/naufragio.shtml

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Vida Injusta

Diante de algumas circunstâncias percebidas essa semana, andei matutando em quantas vezes nos deparamos com situações que são completamente inexplicáveis pelo senso de justiça. Por exemplo, quem nunca se viu perplexo diante de uma morte prematura de uma existência em pleno viço? Ou de uma história claramente injusta, mas perpetuada, sem chance de mudança? Ainda outro dia escutei sobre uma moça que mal viu a vida passar porque teve que se dedicar a cuidar de seu pai até que esse morresse, em seguida passou a cuidar da mãe que logo caiu enferma de morte, e, por último,após enterrá-la, ela mesma adoeceu e morreu.  Como podemos ainda encarar a realidade quando ela se mostra tão cruel e sem uma solução que nos aplane os ânimos e mesmo assim acreditar que vai dar tudo certo? 
Diante de situações como essas, apenas me ocorre as palavras do apóstolo Paulo: "Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens" (1Cor 15:19), porque definitivamente de justa essa existência não tem nada. E não adianta recorrer aos céus, aos deuses, ou seja lá a quem for, porque diariamente vemos a prosperidade do mal e o insucesso dos bons; ricos corruptos gozando uma vida de benesses e pobres honestos padecendo à míngua pelo mínimo necessário.
Há um provérbio muito citado para explicar alguns eventos que nos ocorrem: "Aqui se faz, aqui se paga" ou "Quem semeia vento colhe tempestades", mas e quando somos as mais corretas pessoas que podemos ser, e, mesmo assim, somos surpreendidos por furacões que nos destroem tudo? Como ficam essas "certezas"? E quando somos os melhores filhos, ou pais, ou cônjuges, ou profissionais e nos vemos no momento seguinte vivendo um inusitado estilo de vida que alguém, por seu extremo egoísmo ou inconsequência, "escolheu" por nós? Você ainda vai querer me convencer que estou somente vivendo o que escolhi???
No entanto, vale recordar que o mesmo Paulo afirma mais adiante, dando-me a esperança que posso até não ver o resultado certo e inequívoco de uma vida reta aqui, mas que o verei depois: "Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem".(1 Cor 15:20). Há mais, muito mais, do que essa existência aqui! E isso não é escapismo ou alienação é a resposta cristã, já que não creio que seja mais justo pensar que vivo um carma de uma existência passada, por ser cruel demais ver-me pagando por algo que nem mesmo tenho consciência de ter feito - aí já extrapola meu senso de equidade. Ele ressuscitou e eu, um dia, o seguirei.
Encaremos os fatos: a vida é dura e muitas vezes injusta, sim. Nem sempre veremos o bem triunfar. Contudo, àqueles que têm a certeza de verem aqui o resultado bom e fiel de uma vida sem excessos ou de escolhas bem feitas tenho uma palavra: é melhor contar com a sorte também, mas aos demais posso afirmar: nem sempre irão colher flores, mas em Deus suas esperanças jamais serão frustradas, independente do que a vida lhes proporcionar.

sábado, 16 de outubro de 2010

A Ditadura da Felicidade

 "- Deixe fulano(a) ser feliz!"
Quantas vezes já ouvi essa mesma frase como uma imposição ao momento que alguém estaria vivendo. Contudo, o que questiono é essa ideia de felicidade. O que é ser feliz? Qual a sensação que determina que algo tornou-se a razão da felidade de alguém?
Pensando assim, é fácil percebermos a lista de motivos que hoje são propagados como úteis e imprescindíveis para tal sensação: a posse de algum artigo eletrônico que acabou de chegar no mercado; uma viagem para lugares desconhecidos; a sensação de algo inusitado que provocaria emoções novas e prazerosas, o êxtase de um momento com alguém, e assim por diante. Mas então volto à pergunta: por que tais coisas ou situações fariam alguém feliz? e, por que isso é felicidade? Se coisas ou situações como essas trazem de fato esse propagado gozo à alma - que seria definido como felicidade - precisamos concordar que ser feliz é por demais efêmero e fugaz. Dessa forma é compreensível a busca incessante da aquisição delas como um cachorro procurando seu próprio rabo, em um processo de constante busca e frustração.
Na contramão dessa ordem, ouvimos da boca de Jesus que felizes são os que choram, os que são perseguidos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os pacificadores... ou seja, segundo seus parâmetros o ser feliz está em deixar de ter, apenas sendo, e não no contrário. E é também a esses que é prometida uma vida de qualidade e realização plena - não seria isso a felicidade? Que paradoxo!!!
Certa vez, Madre Teresa de Calcutá afirmou ao comentar sobre alguém: "Este é tão pobre que só pode dar o que tem: dinheiro!", porque desprovido do padrão mais humanitário da vida: amar. Nós somos os únicos seres vivos que temos no outro o pleno sentido da existência. No outro está a verdadeira humanidade.
Vivemos uma ditadura da felicidade, uma imposição de que devemos estar buscando constantemente esse instante, tornando-nos o alvo primeiro e último de  tudo, mas esse, ao invés de nos proporcionar um estado pleno de realização interior, nos leva a uma procura do sempre inatingível porque passageiríssimo, daí precisarmos de um novo instante e mais outro e mais outro... Porém, essa insaciabilidade apenas gira uma roda de busca desenfreada, ao mesmo tempo em que enriquece àqueles que vivem do usufruto de seus idílicos produtos, tão necessitados quanto nós.
Se ser feliz é "ter" ou "estar" ininterruptamente, a vida vale somente o momento que se vive. Somos o centro de tudo. Ao consumo!
De fato, "Deixe fulano(a) ser feliz", até que venha o próximo segundo. Pobre de nós!

Um abraço.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Contra ou a favor?

A figura de Satanás ou Diabo como o antagonista de Deus, surgiu no imaginário judaico aproximadamente por volta de 600 aC, durante o domínio do Império Persa. Antes disso o mal não era visto de forma dualista e personificada, mas como vindo, da mesma forma que o bem, de Deus. Tudo tinha origem nEle. Era Ele quem trazia tanto as coisas boas, como as más, tanto a chuva como a estiagem, tanto a colheita como a infertilidade dos campos... Os profetas do Antigo Testamento atestam isso inúmeras vezes.
Etimologicamente falando, o nome Satanás quer dizer "adversário", "opositor", porque se opõe a Deus. A palavra Diabo vem de diábolo, oposto de símbolo, e tem como sentido aquele que separa, que diverge ou que vai contra. Assim, a partir dessa compreensão, gostaria de analisar o elogio e a repreensão de Jesus a Pedro em um episódio narrado em um dos Evangelhos.
Vemos no capítulo 16, a partir do v. 16 de Mateus, o seguinte texto: Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou? Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. Vamos entender o contexto: Jesus havia acabado de interrogar os apóstolos sobre quem Ele seria e ouve da boca daquele discípulo que Ele seria o Cristo, o Filho do Deus vivo, ao que é prontamente elogiado por ter tido a iluminação do próprio Espírito de Deus. Contudo, veja que alguns versículos depois este mesmo Pedro falastrão, é agora repreendido por Jesus, levando o nome de Satanás, por ter reprovado o fato de que Ele precisaria sofrer até morrer. E Pedro, chamando-o à parte, começou a reprová-lo, dizendo: Tem compaixão de ti, Senhor; isso de modo algum te acontecerá. Mas Jesus, voltando-se, disse a Pedro: Arreda, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, porque não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens. Parece que Pedro não entendia mesmo nada até aquele momento!
O que Jesus queria mostrar, dentro da compreensão judaica mais antiga, é que Pedro, por não entender das coisas de Deus, mas sim das dos homens, havia ocupado o papel de Satanás com aquela sua abordagem - não que tenha incorporado alguma entidade maligna - por isso não há nenhuma prática de exorcismo com expulsão de demônios, como poderia ser esperado por aqueles que veem o Diabo em forma de gente em tudo (vendo dessa perspectiva, certamente Jesus não daria nenhum ibope a muitas igrejas hoje!). Pedro, com sua peculiar impetuosidade e grande ignorância, se coloca como opositor aos planos de Deus e, por isso, pedra de tropeço. Meteoricamente vai do céu ao inferno em poucos minutos.
Veja bem, fica evidente que Pedro "incorporou" a personalidade do Diabo ou de Satanás quando se opôs aos ideais de Deus, o que pode acontecer com qualquer um de nós. Não há meios termos: ou se é contra ou a favor, ou trabalhamos em prol de Deus ou contra Ele, inclusive no mundo.
Sociologicamente falando, os desmandos sociais que existem não são fruto de uma entidade maligna agindo no meio de nós (afirmar isso é uma irresponsabilidade ou uma resposta ideológica para beneficiar alguns), mas sim fruto da nossa "satanicidade". Associar tudo maniqueísticamente ao Diabo só colabora com o status quo porque nos exime do compromisso de fazer um mundo melhor, deixando para quem quiser esse papel.
Podemos sim contribuir para a expansão dos ideais de paz, justiça e amor, quando nos tornamos instrumentos de Deus na compreensão da responsabilidade que temos com as atitudes certas. Por outro lado, se não o fazemos agimos diabolicamente, mesmo que como inocentes úteis, para que o mal se eternize a cada momento.
Provocando um pouquinho: o que ouviríamos de Jesus se Ele nos interrogasse da mesma forma que aos apóstolos: elogio ou repreensão? Por quem estamos sendo usados: pelo Espírito de Deus ou pelo Diabo?
A Bíblia afirma que o mundo jaz no maligno, mas não porque o Capeta tomou as rédeas daqui, mas porque talvez estejamos deixando para os outros a responsabilidade que é nossa permitindo que o caos prevaleça.
Céu ou inferno, de onde estamos mais perto? Espírito de Deus ou Satanás, quem está falando mais alto?
Ainda há tempo para mudanças. Aquele Pedro que foi elogiado e criticado por Jesus, que ora prometeu ser seu maior seguidor e momentos após o traiu triplamente, encontrou seu papel como um dos maiores líderes do cristianismo, revolucionando o mundo, sendo capaz de morrer pela causa que passou a acreditar.
Assim, há uma luz no fim do túnel: a situação não está definida. Ainda há muito a acontecer e o papel que assumiremos depende exclusivamente de nós.


Um abraço.

*Publicado no Jornal OPOVO em 20/11/2010 com o título '"Satanicidade" nossa de cada dia'.
http://www.opovo.com.br/app/opovo/espiritualidade/2010/11/20/noticiaespiritualidadejornal,2067344/a-satanicidade-nossa-de-cada-dia.shtml

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A (IN)UTILIDADE DAS NOSSAS PALAVRAS

Que o amor de Deus é perfeito e nunca se acaba e que não pode aumentar ou diminuir porque é pleno e infinito eu já sabia, a Bíblia tem provas incontestáveis disso, tanto que não podemos medir o Seu amor pelo nosso, porque enquanto o nosso é condicional e seletivo, o dEle extrapola essas definições. Assim, podemos até amar mais ou menos a determinadas pessoas, no entanto Ele não porque diminuiria a si mesmo, já que é, em si, Amor completo (1Jo 4:8), mas hoje, em minha leitura, me surpreendi um pouco com um texto que fala de seu Juízo, que seria o outro lado da moeda que explica metaforicamente o Seu caráter (amor/justiça).
Em Mt 12:37 afirma "porque pelas tuas palavras serás absolvido, e pelas tuas palavras serás condenado". Interessante que o texto não afirma aqui que serão as palavras do Supremo Juiz que nos sentenciarão, mas as nossas próprias, o que eleva a importância do que sai de nossa boca. Elas baterão o martelo do que representou a nossa vida.
Sei que poderia compreender o versículo mencionado apenas levando em conta a idéia religiosa de bênção ou maldição, como uma espécie de determinação mística, mas gostaria de expandir mais um pouco. Dessa forma, parei um pouco para questionar-me sobre o que tenho feito com esse instrumento que Ele me deu, perguntando a mim mesma sobre como as pessoas se sentem após encontrarem-se comigo. Para isso usei como parâmetro Jesus. Não há uma pessoa nos relatos bíblicos que não tenha saído de sua presença levando consigo alguma coisa boa (mesmo que não lhe servisse, pela dureza do seu coração), mas e da minha?
Outra coisa, se acredito, como afirma Mt 12:34, que a boca fala do que o coração está cheio, então vale mais um questionamento: do que meu coração está cheio? porque isso revela como estou ou sou. Com isso percebi a relevância de ter palavras justas e autênticas sem representação teatral, como algo que brota naturalmente, porque antes alojadas em meu interior. Veja bem, não estou afirmando que passemos a ocupar o papel de juízes, distribuindo sentenças. Mas o ter palavras de conforto e consolo, e também de desafio e confronto, se necessárias, tudo com uma saudável espontaneidade, semelhante à brisa que espalha por onde passa o perfume das rosas que no caminho colheu.
Se minha absolvição ou condenação será determinada pelo valor que têm as minhas palavras, que eu possa ser instrumento de valorização da vida, do amor, da conciliação, de pacificação, da justiça... porque próprios meus; na medida em que eu escolho ser útil àqueles que comigo se encontrarem, tendo como referência o Amor de Deus.
Amor e justiça não são antagônicos, são complementares, porque só há amor perfeito onde a justiça é estabelecida. Que isso guie a minha e a sua vida, tornando nossas palavras absolvedoras em uma existência com relevância.

Ana Valéria


terça-feira, 7 de setembro de 2010

Simplicidade Voluntária - Sem Censura TVE

Há poucos dias alguém comentou comigo a respeito de um movimento que tem surgido de forma discreta e envolvente, como um estilo de vida: Simplicidade Voluntária. Curiosa por mais detalhes, passei a buscar maiores informações e me deparei com esse vídeo. Não é um primor em qualidade visual, mas fornece preciosas dicas sobre o o teor e a proposta.
De antemão resumo que mesmo não tendo qualquer apelo religioso, faz-nos questionar sobre como anda nossa noção do que entendemos como simplicidade, felicidade e outros assunto afins.
Como cristã creio que essa é uma boa oportunidade para nos avaliarmos: Em que proporção o consumo tem guiado nossas vidas? Quanto de realização esperamos ter pela simples aquisição de algo que, às vezes, nem mesmo precisamos? Qual a relação entre a nossa vida e o ideal daquele que não tinha nem onde reclinar a cabeça?
Aconselho que assista a esse vídeo e leia mais sobre o assunto. Talvez você não venha a aderir a proposta, mas duvido que não seja de alguma forma impactado com o que vai descobrir.


sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Porque não assisto à propaganda eleitoral

É verdade, não assisto ao programa eleitoral gratuito. E antes que você me tenha por alienada política, quero deixar bem claro que é justamente por eu não ser que exerço esse meu direito.
Não sou obrigada a suportar tanto absurdo junto. Em doses homeopáticas, como durante a programação paga da TV ou do rádio, ainda é digerível, mas de uma vez só me dá náuseas.
Desisti de me orientar através desse meio porque ali só tem desinformação, pouquíssima coisa corresponde à realidade. E isso é fácil de ser entendido, afinal, a lógica deles é única: ninguém vai falar mal de si mesmo. Portanto, só vemos mocinhos e mocinhas, todos de excelente caráter e "ficha limpa", trazendo para si a responsabilidade de salvar a nossa nação.
De que adianta perder meu tempo testemunhando tanta promessa, simpatia, tanto sorriso, apertos de mão e compromissos que se resumem a apenas alguns meses antes das eleições?
Fica aqui meu protesto pelo que estão tentando fazer conosco: uma imbecilização coletiva por crerem cegamente que enganam a todos.
Acredito que deveria haver, pelo menos, respeito à nossa inteligência, mas isso também é fácil de se entender: respeitar por quê se o critério de avaliação usado para o voto exige simplesmente pouco esforço intelectual e muito photoshop?
Diante do que se vê, meus parabéns ao Tiririca por sua honestidade, já que afirma não saber o que vai fazer no Congresso, mas mesmo assim acredita ser capaz de nos representar. Realmente ele é o ícone do que aconteceu com a nossa política: tranformou-se em um grande circo! Ele é apenas o resultado do que existe hoje. Só discordo de seu slogan porque acredito que pior ainda pode ficar.
Incomodada com isso tenho me perguntado o quanto de omissão cometemos por vermos tudo isso e não fazermos nada. Por que damos espaço pra que tanta gente comprometida apenas consigo mesma se candidate e, a custa dos meios mais escabrosos possíveis, se eleja? É certo que em uma democracia qualquer um pode se candidatar, mas daí a qualquer um chegar lá...
Martin Luther King Jr disse certa vez: "O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons". Talvez esteja mais do que na hora de sairmos de nosso protesto infrutífero. Talvez seja a hora de descermos de nossa tribuna estéril; de nosso camarote como meros espectadores.
Conclamo um repensar, um arregaçar de mangas, para que certamente dessa forma tenhamos, logo mais adiante, não mais um desfile de excentricidade, mas opções dignas e menos palhaços em quem votar.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Protesto ao Gênero Humano

Percebi que não conheço o gênero humano.

Sou incapaz de prever a sordidez de seus atos e ainda me surpreendo quando me deparo com sua crueldade.
Não faço empenho em me enquadrar nesse seleto grupo que ocupa o topo da cadeia alimentar.
Não que me sinta melhor, mas porque não consigo ver com naturalidade o uso e desuso humano de seus pares.
De todos os defeitos que a raça humana possa ter considero o pior o de tornar alguém um meio para o alcance de algo que possa justificar suas intenções. Quem é seu fiel?
Como se consegue enganar sem com isso perder o senso de decência? Como se consegue levar as últimas conseqüências gestos friamente arquitetados, desconsiderando os prejuízos que possam decorrer disso? E ainda nos chamam civilizados...
Vejo "honestidade" em um cão quando toma de outro o osso para defender sua existência. Vejo "integridade" em um rato quando invade uma despensa alheia para garantir sua sobrevivência, mas não vejo humanidade em um bípede Homo sapiens que surrupia os sonhos de seu semelhante apenas em prol de si e por si mesmo.
Abro mão dessa noção do que nos torna iguais. Não quero ser convencida dessa "normalidade".
Abomino os conceitos gerais que nos tornaram menos que os bichos, ditos, irracionais.
Entendi: acho que nasci ontem ou morri cedo demais.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Três ônibus e dois terminais

- Podia ser mais simples não fosse tão complicado!
Brilhante dedução, pensei eu, mas é o que sempre me vem à mente no retorno à minha casa. São vários ônibus, mas poderia ser apenas um ou mesmo nenhum, já que o que separa o local de trabalho do meu lar não chega a cinco quilômetros. Certamente quarenta a cinquenta minutos de uma saudável caminhada seriam mais do que suficiente e ainda me permitiriam umas calorias a mais no final de semana.
Mas, sério mesmo. Cheguei realmente a pensar em voltar a pé, apreciando a paisagem, como fazem os cidadãos primeiromundistas, na sua doce ilusão de que tal gesto anularia os estragos ambientais de seu país industrializado e ainda salvaria o planeta da hecatombe profetizada, mas logo desvaneci de tão nobre intenção. Como ir caminhando se o só cruzar-me com alguém vindo em minha direção de bicicleta já deixa meus nervos em frangalhos? Não tenho coração para tanto. Outro dia mesmo soube de uma amiga que, ao ser surpreendida por um transeunte usurpador do direito de posse de seu celular investindo contra ela, por sua pueril recusa levou tanta coronhada que precisou de uns pontos para emendar-se, e ela ainda teve sorte, porque outros, e não ela, é que poderiam estar contando sua história.
Por isso, conformei-me em "passear" de coletivo todas as noites. E assim o faço: três ônibus e dois terminais me separam, cinco dias por semana, do meu home sweet home que fica quase ali, a umas dezenas de quadras de distância.
Contudo, poderia ser pior. Não é assim que pensam os otimistas de plantão? Poderia nem mesmo conseguir percorrer meu trajeto ilesa, ainda que de inúmeros coletivos. É que vivendo nesse Brasil de tantos descalabros, chegar em casa sem qualquer remendo, por incrível que pareça, constitui-se atualmente um grande golpe de sorte diário.

Ana Valéria

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Uma Batalha Quixotesca

Cansei, esgotada da vida recheada de moinhos. Quero encostar a lança e o escudo e apenas chorar.
Estou cansada dos golpes dados a ermo sem nada alcançar, enquanto vejo-me atingida, mais rápído do que posso me defender.
De que adianta um bronze mais polido e uma ponta mais mortal?
De que adianta enfrentar o inimigo se já nem sei mais quem é?
De que adianta mais uma estratégia aprendida se a próxima ainda não dominei, ficando sempre a um passo atrás?
Não há justiça onde se espera, nem dignidade entre os iguais.
A credulidade apenas amacia a carne para os predadores em uma utopia de mudança reservada aparentemente aos ingênuos. As estruturas são mais sólidas, não se desfazem sob golpe repetidos.
Ceguei!
Onde estão todos? Estremeço ao ver uma plantação de trigos iguais, podadas na altura certa, sem espiga; desumanizada.
É triste ver o resultado: ao vento, balança de forma sincronizada, obedecendo estéril.
Quero só me recostar. Preciso me recostar senão padeço por inanição.
Não há como remendar. O pano velho se rasgaria. E pranteio. Olhos ressequidos, armadura largada.
Quixotescamente falando, não há solução.
E sobre zumbis passeiam os que se beneficiam do caos.
Tem misericórdia, meu Deus, e faz soprar o teu vento que um dia derrubou muralhas e ergueu ossos antes secos.
Não sou Dom Quixote, carente de juízo. Os moinhos serão sim destruídos. Disso eu tenho certeza. E voltarei a lutar!

Ana Valéria

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Um leque chamado "deseducação"

Não sou especialista em educação, em estudos sociológicos ou coisa parecida, mas, mesmo com meus olhos leigos, atrevo-me a atribuir o desmando generalizado em que boia a nossa sociedade à sucessão de desrespeito à educação primária pública que nossos políticos insistem em negligenciar.
Olhe para os lados. Onde não encontramos flagrantes de desrespeito às leis ou às boas maneiras?
No trânsito é de deixar qualquer um estupefato o simples trafegar. Como exemplo veja o que ocorre nos cruzamentos de nossa cidade: independente da hora não existe mais parada obrigatória em sinal vermelho (a propósito sugiro adicionarem mais uma cor à tríade do semáforo: a cor laranja após a amarela, já que essa última não serve mais de alerta); o contra-fluxo, que seria restrito aos coletivos, transformou-se em permitido fluxo e a placa de proibido estacionar teve seu sentido alterado para proibido enxergar-me, já que estacionam mesmo sob ela; e por aí vai...
No convívio interpessoal, tenho me deparado em situações onde o dizer b
om dia, boa tarde ou boa noite recebe o silêncio como resposta, parece que ser educada saiu de moda.
A situação está tão caótica que às vezes quase me sinto culpada por ainda ser honesta ou por não me prevalecer de determinadas situações diante de algumas pessoas.
Ninguém me tira da cabeça que grande parte do que ocorre agora é reflexo de anos de descaso com a educação escolar. Há tempos que a educação formal limitou-se à extensão do currículo, quando muito, ficando as regras básicas de convivência negligenciadas.
O que testemunhamos a cada minuto do nosso dia, onde quer que estejamos, é o perímetro do leque que tem como base a escola.
Sem uma educação séria e de qualidade não há como se esperar uma convivência pacífica entre as pessoas nem uma sociedade pautada na fraternidade e no respeito ao próximo.
Por enquanto, serve a máxima: salve-se quem puder!
Ana Valéria

segunda-feira, 29 de março de 2010

Ventos de Mudança

Quero pedir perdão a todos aqueles que sempre me visitam à busca de novos textos por minha prolongada ausência. É que tenho me dedicado integralmente aos estudos para concurso e tem me sobrado pouco tempo para minhas ocupações rotineiras.
O que me fez voltar os olhos para esse novo momento foram os reveses da vida e a estúpida percepção de ter feito uma série de escolhas erradas que culminou em como me encontro agora. Estou insatisfeita, muito insatisfeita.
Usando a frase que está na moda posso fazer uma radiografia minha para visitação pública: "Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode recomeçar e fazer um novo fim."
Não é fácil descobrir-se, com mais de quarenta, com a vida repleta de circunstâncias que redundaram na minha atual sensação de auto-inconformidade existencial, por isso quero mudar e estou buscando com todas as minhas forças. Começo com a ocupação profissional e as demais virão com o tempo.
A você minha expectativa de compreensão.
Sempre quando der postarei algo novo.

Um beijo no coração.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Tributo ao Allison



Já ouvi inúmeras vezes esse dito popular: Há pessoas no mundo que tiram o melhor de nós. Hoje computo essa qualidade ímpar ao meu amigo Allison Ambrósio.
Levado prematuramente desse mundo, deixou perplexa consternação em todos aqueles que tiveram a oportunidade de conhecê-lo e conviver com ele pelo menos um pouco.
Em suas andanças, parece-me que não sabia fazer colegas ou eventuais conhecidos, só fazia amigos. É dessa forma que todos se referem a ele e que choram hoje sua partida.
Nas últimas horas que se sucederam ao seu quadro hospitalar, foi surpreendente a maneira como àqueles que cruzaram de alguma maneira com sua vida só reputaram-lhe a distinção de tê-los feito bem. Tinha sempre uma palavra de consolo, um sorriso, um motivo a mais de adoração a Deus; mesmo os que só lhe conheceram através de suas apresentações musicais, narram que ele tinha sempre um sorriso largo, de aparente simpatia. Pura verdade!
Ontem, junto com a notícia definitiva de que ele havia falecido, ouvi de alguém que lhe admirava muito que queria fazer na vida pelo menos um por cento do que ele havia feito na vida de muitos. Isso vale a vida de um homem. Dever cumprido, amigo.
Quero buscar em seu exemplo de impacto inspiração para a minha. Quero ter semelhante valor. Ele foi realmente um grande homem.
Cabe a nós agora fazer como outro cantor ao referir-se a morte de alguém querido, na Bíblia: poderemos fazê-lo voltar? Nós iremos a ele (2Sm 12:23), com a certeza de que nos encontraremos no céu.
O fato é que ele está indo muito cedo, contudo, a qualidade da vida de um homem não está na quantidade de dias que passa entre nós, mas no valor que atribui a vida daqueles que lhe conheceram. Vou sentir saudades de seu sorriso maroto, de suas piadas que tornavam leve qualquer ambiente e de suas composições e poesias. Seus conselhos e palavras apropriadas a cada momento silenciarão, mas seu legado estará sempre conosco, embalado nas notas musicais que deixou eternizadas entre nós e que tantas vezes falaram ao meu coração.

Allison Ambrósio: um homem que não apenas tirava o melhor, mas também que nos fazia ver o que há de melhor em nós.
Ao amigo, pastor, cantor e compositor meu minuto de silêncio! _____________...























Ana Valéria
Publicado no "Jornal do Leitor" do jornal O POVO, edição de sábado 13/03/2010

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Quem vai para o céu?

Tenho uma amiga que costuma regalar-se diante de qualquer coisa que goste muito, premiando o criador da maravilha com a certeza da estada no céu. Outro dia, quando estava deliciando-se com um pedaço de BIS branco, exclamou com os olhos fixos no objeto de seu desejo, quase babando: – Tenho certeza que quem criou esse chocolate está no céu!
Partindo dessa premissa, creio que o céu deve estar muito bem frequentado pelos inventores ou criadores de muitos artefatos, guloseimas e tantas outras coisas que facilitam nossa vida ou dão mais sabor a ela. Por exemplo, quem inventou o sorvete eu não sei, mas sei sim que certamente ele anda lá pelo Paraíso bem rodeado de anjinhos, por tamanho ato de altruísmo ao mundo, refrescando nossa vida.
E quem foram os sagrados inventores do queijo, pão, do cafezinho e do churrasco? Não tenho a menor ideia sequer, mas duvido que não estejam por lá, celebrando, bem acompanhados, suas premiadas criações.
E do saca-rolhas, do martelo, da tesoura e ainda o criador do papel higiênico? Santificados sejam seus nomes, porque de nada valeria uma garrafa de vinho para regar uma ceia, um utilíssimo prego, um tecido chiquérrimo ou um belo banheiro com flores, se nele existisse uma cesta cheia de sabugos.
A algumas invenções, contudo, tenho umas ressalvas, tais como o trabalho ou o tempo. Que seu criador está no céu tenho certeza, é só conferir os primeiros capítulos de Gênesis, mas há de estar bem longe daquele lugar edêmico quem inventou a carga horária obrigatória ou o relógio de ponto e ainda o sujeito que deu vida aos cremes de rejuvenescimento, tinturas e maquilagens que não nos permitem envelhecer sem paranóias. Falando nisso, cedendo a pressão atual, bem aventurado então seja o criador do Photoshop – que esteja a deliciar-se entre nuvens – porque, já que não podemos dizer a idade que temos, negando até o fim a passagem das primaveras, pelo menos em fotos podemos ficar eternamente bem, regalando-nos com essas e outras tantas maravilhas até que a morte nos leve, cheios de anos e babando mais do que nunca.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Nostalgia

Realmente devo estar ficando velha porque ando me sentindo muito nostálgica, às vezes até de situações que não vivi. Percebi isso quando passei a notar algumas situações com um ar de melhores-tempos-idos com uma dor pungente no coração com muita frequencia. Bastava passear com olhos mais abertos ao mundo ou me colocar como simples observadora em fatos do cotidiano. Explico-me:
Como tenho saudade – mesmo sem tê-los vivido algumas vezes – dos tempos em que havia muito mais respeito dos jovens pelos mais velhos, ainda que fosse na simples relação entre pais e filhos ou tios e sobrinhos ou ainda entre alunos e mestres. Não cheguei a ver com meus próprios olhos, mas sei que mal se podia mirar os mais vividos nos olhos sem correr o risco de constituir uma afronta àqueles. Era o tempo em que os termos “senhor” e “senhora” não eram usados apenas como frases de abertura em auditório. Tempos em que tais termos tinham um valor intrínseco de dignidade e não apenas um retórico segundo tratamento a qualquer vossa excelência parlamentar, governamental ou a alguém de maiores posses. Era preciso que fosse honrado para possuí-lo.
Tenho saudade do tempo em que certas palavras eram tidas como de baixo calão, sem meios termos ou consideradas como “graciosidade irreverente”, e eram encontradas, apenas, na boca dos sem-educação ou compostura não em pessoas de respeito, escancaradas em discursos políticos, alardeados aos quatro cantos da nação ou desencandeando risos e aplausos em platéias .
Ah, como é saudoso o tempo em que podia-se passear na rua a qualquer hora sem se correr o risco de ser agredida por imagens ou gestos e comportamentos obscenos que atentam ao pudor, sem a desculpa de serem tidas como expressão artística, liberdade dos tempos ou vistas com um olhar complacente justificável, frutos da ocasião.
Lembro-me ainda dos tempos em que o lugar para se guardar economia era sob o colchão, alvo certo dos ladrões em romances antigos. Acho que por isso me lembro sempre das palavras do meu avô que me dizia que de um homem de palavra bastava apenas o fio de bigode como penhor. Aqueles sim deveriam ter sido bons tempos, porque não havia a necessidade de buscar dinheiro em outros lugares, muito menos nas roupas de baixo do homens, supostamente de honra, de hoje.
Tenho saudade ainda do tempo em que as palavras traduziam o sentido por si só – elas diziam o que foram feitas para dizer – e que o eufemismo era apenas uma figura de linguagem usada como recurso para os mais cautelosos. Assim roubar não era “arrastar”, “ganhar”, “ter um novo dono” ou “esperteza”; desvio de verbas não era “superfaturamento”, mentira não era “faltar com a verdade”; suborno não era “agrado”, “molhar a mão”, “tôco”; prostituta não era “garota de programa” ou “profissional do sexo” e condenados em primeira instância não eram tidos como “homens de comportamento ilibado”, estando aptos ao desempenho de cargos de confiança até que se provasse o contrário.
Até das músicas de outrora sinto nostalgia por suas melodias mais elaboradas, beleza harmônica e letras ricas onde não havia a propagação aceitável de mensagens que estimulam a violência, ao sexo irrespónsável e onde as mulheres não eram chamadas de cachorras e safadas, e os homens de raparigueiros, sem que os ouvintes se sentissem agredidos.
Não quero sacralizar os tempos idos como os melhores em tudo. Não sou ingênua. Há muitas coisas que marcaram épocas já vividas de tal forma que sentimos alívio por não existirem mais. Contudo, há outras que sinceramente me fazem falta. Talvez tenha envelhecido mesmo, talvez esteja mais com os olhos no passado que deveria, contudo, saudosismo legítimo ou não, tenho a absoluta certeza que nossa compreensão do certo, honroso é que não é mais a mesma. O problema então não seria o tempo, mas o que fizeram com o que temos hoje, ou, pior, o que fizemos conosco mesmos.