Apenas um lugar para a gente pensar junto...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Outros porquês

Qualquer pessoa sabe que na vida de uma criança há a fase dos porquês. É um momento muito peculiar em que ela começa a descobrir as coisas da vida, e assim, deslumbrada, questiona as suas causas, processos e motivações.
Quero, mesmo tendo deixado há tanto tempo a infância, dar-me o direito de novamente passar por essa época e entender algumas coisas que estão encobertas por nossa auto-suficiência adulta.
Quero inquirir o que já não está aparente pelos anos de "experiência de vida" que acabaram por calar as nossas vozes interiores.
Quero só perguntar:
Por que é tão difícil lidar com o mundo?
Por que nem sempre somos o que parecemos ser?
Por que disfarçamos o nosso verdadeiro eu nos ocultando por trás de gestos ensaiados e emoções plastificadas?
Por que muitas vezes não falamos o que pensamos nem o que se precisava dizer? Ou falamos sem pensar o que não se precisava afirmar?
Por que é tão difícil sermos verdadeiros sem nos sentirmos vulneráveis?
Por que tantas vezes nos sentimos como se estivéssemos enfrentando um adversário em pleno combate mesmo nas nossas relações mais amigáveis?
Por que precisamos jogar; driblar; camuflar?
Por que tantas vezes ficamos armados?
Por que simplesmente não podemos viver ao sabor do que a vida pode nos proporcionar sem nos sentirmos mal com isso?

Quando nos deparamos com crianças naquela fase com tantas perguntas nossas respostas evasivas ou simplórias são mais do que suficientes para saciar sua curiosidade infantil. Quisera eu me dar por satisfeita da mesma forma e com a mesma disposição. Mas, receio que na trama da vida nem sempre a melhor intenção de resposta faz calar as nossas mais íntimas inquietações.
Então, por que mesmo?...


Ana Valéria

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

GREVE ILEGAL = ENXOFRE NO AR

Há algum tempo, para a minha desventura, deixei de acreditar em algumas coisas fundamentais. Ah, sim, como foi triste deixar de acreditar que não existe mais Papai Noel. A realidade de que não há um bom velhinho que nos presenteia a todos, indiscriminadamente, a cada final de ano é cruel demais, e nada há de interessante em saber que nosso pai é que se esforça por cumprir esse papel. Aqueles que podem, é claro, o que ainda é pior!
Percebi também que nem todo “era uma vez”  dos contos de fadas tem como final um “foram felizes para sempre” na vida real. Afinal, todos conhecemos alguma gata borralheira que morreu nessa condição sem nunca ter conhecido um resgatador príncipe encantado ou deixado de padecer sua sorte. A propósito, é bom lembrar ainda  que nenhum sapo, após um corajoso beijo de uma bem intencionada mocinha, se transformará naquele idílico personagem.
Deixei de acreditar, para minha tristeza, que é fácil ganhar em um sorteio ou na loteria, como o prêmio acumulado da Mega Sena. Mas isso é óbvio de constatar, caso contrário, tal prêmio não se acumularia com tanta frequência.
Contudo, essas percepções reais da vida, apesar da dor pela perda do romantismo que trazem em si mesmo, não me causaram tanta consternação quanto a compreensão do que há de podre no cenário político de nosso Estado e de nosso País.
Nada dói tanto quanto deixar de acreditar nas instituições que um dia nos ensinaram existirem para nos proteger. É terrível perceber como se manipulam as regras para subverter o direito. É repugnante sofrer na pele as alianças espúrias que nos roubam o que nos seria justo.
Como acreditar em um sistema corrupto, onde a lei só existe para privilegiar os mais abastados ou detentores do poder? Como ainda crer em uma justiça que tem seus olhos vendados para que possa ser imparcial em seus julgamentos, quando tão facilmente sentenças são determinadas de acordo com os conluios indecentes? Como esperar na regra constitucional da existência de poderes independentes e harmônicos entre si se o que vemos é a troca de interesses ditar as regras, mesmo que para isso se passe por cima dos direitos também constitucionais? Pasmem: quando executivo e judiciário se aliam obscenamente só resta o cheiro de enxofre, empestando o ar.
Deixei de crer. Não sei se amadureci ou desvaneci, mas algo foi apagado do brilho dos meus olhos. Contudo, em algo ainda creio: que o valor da luta pelo bem é maior do que uma sentença que a torna ilegal. E que na corrupção nem o que a propõe nem o que a aceita valem tanto quanto a decência da gente que por eles tem sua vida destruída de seus sonhos.
Adiante, professores!

Ana Valéria Moraes

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

sábado, 20 de agosto de 2011

O Deus em que creio


A cada dia que trilho a via que me levará ao encontro com meu Criador vejo que a minha ignorância com relação às coisas eternas aumenta. Isso porque o conjunto de paradoxos que a contemplação de Deus me traz só faz aumentar e me deixa cada vez mais perplexa. Ela vai se magnificando como um aparente quadro de contradições que me convida a abrir mão até da “sensatez” em nome de algo que extrapola minhas percepções mais “fiéis”. Algo até sem sentido, mas de uma profundidade gigantesca tanto quanto plenamente alcançável até pela mais simples das pessoas. Deixa eu ver se me faço entender:
Creio em um Deus que se faz presente em todas as situações, mas que é também intangível, inaudível e invisível;
Creio em sua misericórdia que me torna alguém merecedora mesmo que eu não mereça nada e alguém digna de seu olhar enquanto divide sua atenção com a manutenção do brilho das estrelas mais longínquas;
Creio no seu amor infinito que traz a reboque um cuidado constante comigo na mesma medida em que me deixa livre para dar minhas próprias cabeçadas;
Creio que não há outra maneira de guiar a vida que sendo guiada por Ele, sem que isso signifique perda da autonomia ou passividade diante do que nos ocorre, mas também sem me isentar da responsabilidade de minhas próprias decisões;
Creio que só se pode ter fé quando se abre mão de saber de tudo, conhecer tudo, ver tudo... e ainda descansar nisso;
Creio em um Deus inteiramente outro, mas que se faz próximo, ao meu lado, e que se faz tão distante que não posso conhecê-lo completamente;
Creio ainda em um Deus que está além de tudo que eu possa vasculhar, tão maior do que eu possa reter e tão profundo que eu possa alcançar, mas que me ama independente das limitações que tenho.
De fato é grande minha ignorância, minha lista de “creios” poderia se estender bastante, mas essa falta de conhecimento não me sufoca ou me envergonha, apenas me deixa extasiada diante do Incomparável.
Assim, limito-me a simplesmente reconhecer que por não saber, sei nele e que justamente por ser ele muito maior do que eu possa conter ou conceber faz-se dessa forma ser Deus – o meu poderoso Deus.
Ana Valéria


(Texto publicado em um blog meu, anterior a este: http://avmoraes.blogspot.com)

sábado, 25 de junho de 2011

A História de Cabacinha*


Cabacinha era um homem pra lá de valente! Sua alcunha surgira de uma história ocorrida quando ainda era vaqueiro. Segundo ele, um dia, depois de vagar por horas conduzindo umas vacas, se valeu de uma cabaça que encontrou e fez dela uma espécie de chapéu, protegendo sua cabeça de ralos cabelos. De lá pra cá nunca mais a tirara. – Era mais confortável – afirmava, mostrando o formato arredondado do artifício, o que lhe valera não apenas o apelido, mas a desconfiança de que não tinha o juízo muito bom.
Fazia questão de manter a sua fama, e aqueles que ainda não lhe tinham percebido a fraqueza das ideias, corriam com medo, preferindo não ter que conferir a veracidade de suas palavras.
De altura mediana e porte franzino, só a sua presença não assustava ninguém. Andava sempre com uma roupa puída, alpercatas bem surradas, faca na cintura e um cigarro de palha úmido que teimava em ficar apagado. Sua idade ninguém sabia, nem ele, mas certamente beirava os quarenta.
Fora assim até que um dia, na sua cidade, chegou alguém que parecia ter menos zelo com a própria vida que ele e ainda anunciava ter coragem superior.
Com altura semelhante a de seu adversário; Chico Peão, que acabara de chegar, tinha cabelos curtos e em desalinho; corpo mais roliço; roupa gasta e peito aberto até quase o umbigo com uma medalha pendurada ao pescoço; uma peixeira sob o cordão que lhe segurava as calças e chinelo de dedo de couro fedido. Um quarentão.
Dizia e acontecia. Limpava as unhas com canivete; aparava o vasto bigode com faca; apagava o cigarro na mão..., construindo a figura do homem que poderia desafiar o valentão dali. Mas, o tempo passava e nada disso acontecia, atiçando a todos para saber quem permaneceria com a fama.
Um dia, chegou o momento esperado daqueles dois se cruzarem. Até ali, nenhum deles ignorava a existência do outro, no entanto, mantinham-se à distância, para manterem suas reputações a salvo.
O mercado já estava aberto há tempos naquela manhã e com um movimento intenso. Os boxes estavam lotados de frutas, verduras, cereais, carne seca, rapadura e algumas novidades vindas da capital. O cheiro de carne cozida misturado com o odor de frutas muito maduras passava a ideia de fartura, coisa tão preciosa ao sertanejo.
Cabacinha acordara cedo e tivera a ideia de ir lá para ver a agitação. Com a mesma motivação, seu adversário foi também. Não passou muito tempo e os dois se viram, mas se ignoraram, contudo, logo chamaram atenção dos que passavam, exigindo uma reação. Palavrões e ameaças foi o que o prevaleceu sem que nenhum dos dois tomasse a iniciativa do combate. Vendo a população que nada acontecia, alguém sugeriu um desafio: aquele que conseguisse segurar o touro mais valente das redondezas pelos chifres era o mais macho.
No dia marcado toda a população estava no lugar combinado. A ansiedade tinha tomado conta de todos, mas, eles não compareceram, nem Cabacinha, nem Chico Peão, só o touro.
Hoje, muito tempo depois, se fala de um casal de velhos de uma cidadezinha distante, que vive junto, como marido e mulher, e que um deles usa um apetrecho estranho na cabeça.

Ana Valéria

*Conto meu publicado no Jornal O Povo (25/06/11)

terça-feira, 21 de junho de 2011

A MACONHA E OS PALHAÇOS

Será que eu entendi mesmo?
Quer dizer que agora é legítimo o ato de ir às ruas manifestar-se a favor da liberação do uso da maconha , porque isso é apenas uso da liberdade de expressão, mas professores do município que manifestam-se para evitar a votação de um projeto enviado pela prefeitura de Fortaleza que vai totalmente contra a categoria não é legítimo? Como assim?
Quer dizer que protestar a favor da maconha pode, mas protestar contra um projeto que fere o piso nacional instituído pelo Governo Federal não pode?
Quer dizer que fazer uso do direito legítimo de greve, quando esgotaram-se todas as vias de negociação, é apenas um ato político e tal dispositivo é ilegal e abusivo, mas não acatar uma Lei sancionada pelo Presidente da República não é?
Quer dizer que são dignas de apoio as pessoas que vão às ruas para dizerem que a maconha deve ser liberada, mas dignos de spray de pimenta na cara os profissionais que abominam uma disposição “legal” que criaria remunerações distintas entre os de nível médio e os de nível superior?
Não vou entrar no mérito quanto ao uso da maconha. Se deve ser liberada ou não, deixo ao experts da área. Mas não poderia calar-me quanto ao que fazem à categoria da qual faço parte. Para dizer o mínimo: isso é uma incoerência e serve claramente para deixar patente o papel que os educadores têm nesse país: PALHAÇOS!

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Racha no Evangelho

Há poucos dias mais um racha aconteceu na já combalida Igreja Betesda. Alguns pastores afastaram-se definitivamente com suas congregações (de forma sorrateira) daquela que lhe servia de ancoradouro. Lamento o ocorrido, nem tanto pelo afastamento, porque acho que algumas dessas já não faziam parte há muito tempo da igreja-mãe, mas pela forma como aconteceu.
Segundo cogita-se, o que teria levado a isso foi a entrevista do Pastor Ricardo (presidente nacional da Betesda) à revista Carta Capital, em que posicionou-se a favor do reconhecimento da união civil de homossexuais.
Como disse uma amiga minha, a reação foi intensa por ter mexido nos preconceitos de muitos, já que nem todos sabem lidar com eles. Contudo, questiono qual o maior prejuízo: se reconhecer como legítimo o que o STF já referendou, evitando assim injustiças a inúmeros cidadãos e cidadãs pagadoras de impostos, portanto com todos os direitos civis a serem resguardados, ou achincalhar o nome de um líder cristão na medida em que deturpam a sua palavra, fazendo-o cheirar a enxofre por divergência de opinião?
Homens e mulheres merecem ser respeitados, independente, inclusive, de sua orientação sexual, é o mínimo que se espera de cristãos. Morro de vergonha quando penso que rebuliço semelhante deve ter acontecido quando na aprovação da lei do divórcio e hoje convivemos muito bem com pessoas nessa situação, reconhecendo suas peculiaridades!
Quando a Igreja vai amadurecer e aprender a separar as coisas? Quando vai compreender que vivemos em um país laico e que assumir posições radicais desse tipo apenas reforça o estereótipo de que ela é retrógrada, conservadora, antipática e pouco dada ao diálogo com aqueles que não compartilham de suas respostas prontas?
Reconheço que um assunto como esse merece uma reflexão, mas acredito que pior do que mostrar-se compreensivo quanto a ele, é sair na surdina, carregando o patrimônio da congregação nas costas, deixando os desavisados a indagar-se onde fica o tal enorme amor de Deus principalmente nessas horas.
Com certeza não era isso que Jesus tinha em mente quando idealizou nossa missão evangelizadora.

Ana Valéria
Em tempo: aos interessados, segue abaixo o link da entrevista do Pr. Ricardo:
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-pastor-herege



sexta-feira, 6 de maio de 2011

A morte de uma geração

Oito estampidos rasgaram a alegria contumaz da noite. E um corpo registrou o fato. Então, vi mais que um quase-cadáver, agonizante, vi o retrato de uma geração incipiente, porém arfante, cega por seus não-valores.
A morte é sempre estúpida, é certo. Não há uma sequer que seja bem vinda, ainda mais quando parece um furto: em um segundo leva o que não era seu. E estando em pleno viço o que ela extinguiu?
Mais um jovem foi-se. E, quase gelado - abertos só os olhos arregalados daqueles que o assistiam - esvaia-se, tingindo a aura até há pouco pulsante, calando planos.
Nós estupefatos: Era verdade? Testemunhamos a brutalidade de uma geração que se autofage? Foi isso mesmo?
Quantos ainda vão morrer? Quantos e quantas ainda vão chorar - não por lamentação à vida que escolhera o que tinha por certo esse fim, mas como alimento à vingança que precisava de urgência - para que essa guerra sinalize uma trégua? Quando isso vai acabar?
Já não há mais jovens que se divertem com sua própria condição de recém-despertados para a vida. Já não há mais juventude. Há homens velhos e embrutecidos em mentes imaturas e corpos rijos, sem mais brilho nos olhos, sem mais paixão ao simples existir, pela constante exigência de prevalecer e ser tendo, custe o que custar.
Uma geração se vai. Lamentavelmente, uma geração morreu!


Ana Valéria (professora da EEFM Joaquim Alves)

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Uso "exclusivo" em serviço. É mesmo????

Hoje me ocorreu um fato pitoresco. Ao meio dia fui buscar minha filha em uma escola aqui em Fortaleza. Chegando lá me deparei com um veículo oficial do Governo um pouco à frente, estacionado, escrito em seu parachoque a irônica frase: Uso exclusivo em serviço. E, a conclusão foi lógica: claro que aquele carro estava ali esperando por algum estudante, claro que na cabeça daquele motorista havia o direito de usar a gasolina, que é destinada à sua repartição para interesses do Estado, em um servicinho particular, esse não é o país do "pode-tudo" desde que você "possa"? E de fato foi isso que aconteceu. Minutos depois rapidamente uma mocinha fardada surge da escola e folgosamente se acomoda no banco traseiro do veículo destinado ao uso exclusivo em serviço. Ah, não podia deixar aquilo barato. Comprei uma briga com a minha filha, mas mais que imediatamente passei ao lado e gritei: - Esse carro é pra uso em serviço!!! - e fui embora.
Sei que isso pouco representa diante do particularismo com que muitos lidam com o bem público, mas emudecer-se é fortalecer práticas descaradas e rotineiras. Sei que o meu grito de quase nada valeu, melhor teria sido tirar uma foto do ocorrido, mas pelo menos fiz algo.
No final das contas restou apenas a cara emburrada da minha filha pelo (segundo ela) constrangimento que passou diante dos colegas, mas, se os que fizessem tal coisa pelo menos se encabulassem ao agir de forma imprópria  com o dinheiro nosso, um dia isso tudo se tornaria apenas um "causo" pitoresco do passado em uma roda de amigos.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Para entender o que está acontecendo com os professores.

Há quase três anos foi aprovada uma lei que se referia a remuneração mínima a ser paga a todos os professores e a uma redução de sua carga horária em um terço para planejamento e outras atividades pedagógicas.
Algum tempo depois, cinco estados da nossa federação, entre eles o Ceará, entraram com uma Ação de Inconstitucionalidade (ADI 4.167) para o não-cumprimento da lei, alegando, entre outras coisas, a falta de recursos, contudo, a própria lei afirma que, uma vez que o município se encontre impossibilitado de viabilizar o pagamento por não ter caixa suficiente, a União entrará com o restante, para isso é necessário unicamente que se comprove a impossibilidade abrindo suas contas*, o que, até o ano de 2010, foi feito por somente 40 municípios num universo de mais de 5000 em todo o país. E aí os números falam por si mesmo!
No início desse mês, o STF julgou a improcedência dessa ADI e ontem deu-se também o veredito de constitucionalidade da redução da carga horária, porém com um empate quanto a este último, o que permite àqueles mais indispostos recorrerem novamente, reiniciando outra via crucis.
Como se vê, há um flagrante descompasso entre o propagado pelo Governo Federal através da mídia e o que de fato acontece na esfera da educação do nosso Brasil, em que vemos tantos convites glamourosos para que os jovens se tornem professores.
Se a educação fosse realmente prioridade, se os professores fossem efetivamente respeitados e dignamente pagos, se houvesse uma preocupação com os índices trágicos obtidos no cenário internacional com mudanças visíveis, a atração pela escola seria automática, sem a necessidade de tantos apelos.
Quisera eu que o tempo voltasse. Morreria eu, talvez, por não poder ensinar, que é o que mais amo fazer, mas jamais passaria por esse vexame de ter que quase mendigar para receber simplesmente o que é nosso por direito.

Ana Valéria

*Lei 11.137
Art. 4o A União deverá complementar, na forma e no limite do disposto no inciso VI do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e em regulamento, a integralização de que trata o art. 3o desta Lei, nos casos em que o ente federativo, a partir da consideração dos recursos constitucionalmente vinculados à educação, não tenha disponibilidade orçamentária para cumprir o valor fixado.


§ 1o O ente federativo deverá justificar sua necessidade e incapacidade, enviando ao Ministério da Educação solicitação fundamentada, acompanhada de planilha de custos comprovando a necessidade da complementação de que trata o caput deste artigo.





sexta-feira, 8 de abril de 2011

Precisa-se de herois

É interessante a maneira como o Brasil cria seus herois. Estou escrevendo um dia depois da chacina do Realengo e igualmente assustada com um crime tão brutal, contudo o que muito me chamou a atenção também foi a elevação do terceiro sargento Márcio Alves à estatura de heroi por ter impedido o assassino de levar adiante seu plano. Sei que seu papel foi crucial. Qualquer pessoa em sã consciência percebe que um maior número de vítimas poderia ter ocorrido caso ele não tivesse aparecido à cena do crime, mas não estaria ele fazendo o seu papel como policial? Ou seja, não é para isso que pagamos nossos impostos também, para que a polícia aja quando necessário? Não é isso que se espera de uma autoridade? Não diminuo sua participação eficientíssima e corajosa, mas fazer dele um heroi me parece puro sensacionalismo piegas. Aliás, pelo que vejo, mais sensata é a posição dele que, perguntado por seus sentimentos diante do ocorrido, respondeu que via-se apenas como aquele que  cumpriu seu papel.
Isso me remete também à outra personalidade: o ex-vice-presidente José Alencar, um homem notável em qualificações morais (exceção à maneira que teria tratado uma moça por dizer-se sua filha ilegítima). Por que tanta comoção em sua morte? Por seu caráter, honestidade, honradez, empreendedorismo, vontade de viver...? Tudo junto ou separado? Admiro sim a maneira nobre como enfrentou sua própria senda de morte, mas não o vejo como um heroi. Ter uma postura como a sua durante a vida é o mínimo que se espera de qualquer pessoa.
Essas duas situações apenas nos mostram como o nosso país precisa de herois pela falta de credibilidade de um povo castigado por suas próprias instituições e personalidades públicas. Neste caso vale o adágio popular: "Em terra de cego quem tem olho é rei".
Lamento o atual estado em que nos encontramos, boiando num mar de lama. Contudo, melhor assim que fazer de jogadores de futebol de caráter duvidoso e claro envolvimento com tráfico símbolos a uma juventude que já não sabe para onde olhar em busca de referenciais.

Ana Valéria

domingo, 6 de março de 2011

OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E A HISTÓRIA DAS COISAS

Quero lhe convidar a assistir a dois documentários que expõem a lógica do consumo e também a se posicionar em relação a isso. Lembre-se: não existe posição neutra, se você não escolher há quem escolha por você e, nesse caso, você torna-se presa fácil como inocente útil nessa cadeia capitalista.
O primeiro vídeo tem cerca de cinquenta minutos, já o outro tem vinte. Contudo, ambos são igualmente bons.Um detalhe: o primeiro está em espanhol, sem legendas, mas o outro é dublado. Veja-os e reflita um pouco







Um abraço.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

RELIGIÃO E FAMÍLIA

Quanto mais tempo passo na igreja menos entendo a religião (e é porque já se vão mais de 25 anos de militância)
Penso que fazer parte dessa instituição seria algo como ser família: um misto de paixões vivido a cada encontro. Sem exageros passionais, é claro.
Mas seria fácil demais. Inventaram assim as regras, doutrinas, liturgias, credos, catecismos e coisas semelhantes, que, se não ocupando o seu devido papel secundário, matam qualquer boa relação eclesiástico-familiar.
Não poderíamos apenas acolher e sermos acolhidos, como acontece num domingo na casa do primo que nos oferece uma feijoada como desculpa para ver todo mundo junto? Não poderíamos simplesmente reconhecermo-nos como desafortunadamente imperfeitos e, por isso mesmo, devedores sempre uns aos outros? Não poderíamos apenas celebrar a vida, compartilhando com o outro este dom maravilhoso?
Mas não, criamos imperativos recheados de senões para tornarmos nossa relação quase intragável ou pelo menos de difícil convivência.
Que diferença faz o dia em que nos reunimos? Que sentido tem a aparência externa se somos irmãos? Por que tantas imposições como se fôssemos seres acéfalos irremediavelmente perdidos e eternamente carentes de supervisão? Por que tanto jogo de culpa ou promessas de manipulação numa ilusória barganha? Pra que tanto falatório e tão pouco cuidado, contato, aceitação?
De fato não entendo o papel da religião. Mais: acho-a completamente dispensável e desagradavelmente inútil.
Numa relação em que me vejo igualmente responsável pelo outro não há necessidade de regras para uma boa convivência, só do amor que nos une bem praticado, gastado, como uma vela que se consome ao iluminar. 
Duvido que em uma circunstância como essa alguém ainda vai precisar dizer o que não deve ser feito ou simplesmente o que se deve ser. Duvido que ainda se precise dessa invenção!


Texto publicado na coluna Espiritualidade do jornal O Povo, em 21/05/2011, vide:
http://www.opovo.com.br/app/opovo/espiritualidade/2011/05/21/noticiaespiritualidadejornal,2247431/religiao-e-familia.shtml

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Daltonismo Religioso (II) *

Desenvolvendo mais um pouquinho o tema do daltonismo.
Creio que você concorda comigo que Jesus não deixou nada escrito. A única vez que o vimos escrevendo foi no episódio da mulher adúltera trazida pelos religiosos, e o palco de escrita era a areia. Nada mais efêmero! Mas, por que estou mencionando isso? Para lembrar que todos os relatos neotestamentários estão direta ou indiretamente relacionados com seus discursos, mas nunca saíram de sua própria pena. Nunca, absolutamente jamais, foram registrados por ele.
Se compreendemos que tudo que se passa ao nosso redor sofre um processo de interpretação e que esse está proporcionalmente relacionado ao que entendemos de mundo, nada está isento ao nosso "daltonismo interpretativo". Compreende?
Ora, some-se às palavras de Jesus o conhecimento de mundo de cada um dos apóstolos e você terá uma compreensão específica ao que fora dito, como uma espécie de encaixe perfeito ao quebra-cabeça de cada vida ali.
Não estou afirmando que necessariamente as compreensões obtidas por eles estejam em conflito ao que foi ensinado por Cristo se colocadas lado a lado, mas sim que não se pode extrair do que foi entendido pelos evangelistas as precompreensões que cada um trazia consigo.
É mais do que claro que um homem letrado como Mateus (cobrador de impostos) não tem a mesma percepção de vida que um rude pescador chamado Pedro, porque ambos têm suas experiências, seus percalços e desafios que delinearam suas personalidades distintas. Daí a abordagem de Jesus ser apropriada a cada homem porque fala às necessidades específicas de cada um, como ainda hoje é.
Sentindo a urgência de que as suas palavras passassem às gerações seguintes os evangelhos foram escritos. Sugiram então vários registros, e dentre esses alguns chegaram até nós, contudo, todos feitos a partir de mãos de homens que viveram suas próprias experiências e que fizeram, portanto, suas próprias interpretações e pontes a partir do que fora ouvido e vivenciado.
Toda essa minha discussão é para mostrar que de maneira alguma podemos nos prender radicalmente aos escritos. Como já mencionei, em lugar nenhum há palavras ipsis literis de Cristo, por mais que elas convirjam em textos paralelos. Portanto, nos atermos a picuinhas literárias para discutirmos nossas diferenças é tão farisaico quanto foi nos tempos em que ele andou entre nós. Suas palavras foram justamente agudas e contundentes contra os que pretendiam fazer dest sentenças de acusação. Longe de fronteiras eclesiásticas, guetos religiosos ou barricadas de abrigo contra os infiéis, seus ensinamentos extrapolaram esses limites.
Deus é maior que a Bíblia, porque esta o limita; maior que palavras religiosas porque estas são infiéis ao tentar retratá-lo. Maior do que qualquer compreensão.
Se pararmos de fazê-lo caber dentro de nossos conceitos interpretativos vesgos certamente muita coisa mudará dentro da cada um de nós. Posso até continuar vendo de maneira daltônica, mas terei consciência que eu e não o outro é que precisa ver-se como alguém a estar sempre adequando a visão.
Mais sensato seria se percebêssemos nosso olhar como restrito à pequenez de nosso mundo. Somos, cada um de nós, universos a parte, construídos por nós mesmos.
Dentro dessa perspectiva facetada da vida, ajudaríamos muito mais se ao invés de Livros usássemos óculos, respeitando-nos como partes de um todo muito maior.
A humanidade agradeceria.

* Texto publicado no jornal O Povo, na coluna Espiritualidade, no dia 02 de abril de 2011.
http://www.opovo.com.br/app/opovo/espiritualidade/2011/04/02/noticiaespiritualidadejornal,2120935/daltonismo-religioso-ii.shtml

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Daltonismo Religioso*

Esses dias lembrei-me de uma anomalia visual congênita bem peculiar: o daltonismo. Não sei se você sabe, mas daltonismo é o impedimento visual da percepção de uma ou mais cores. Dessa forma, quem apresenta esse distúrbio não percebe as cores como os de visão normal. Assim, há aqueles que não distinguem os tons verde e vermelho, outros o azul e o amarelo, outros que enxergam apenas em preto e branco e, por último, há os que percebem os tons das cores alterados. 
John Dalton

Lendo um pouco mais a respeito (aos que não sabem leciono Biologia, por isso meu interesse) uma coisa em especial me chamou a atenção: saber que John Dalton, o cientista que primeiro definiu tal distúrbio, era, ele mesmo, seu portador. Veja que interessante: não sei porque mas um dia ele notou que a cor que percebia em sua retina não era a mesma cor que outras pessoas viam e isso o levou à descoberta de seu distúrbio visual.
É intrigante pensar como alguém, sem ter algo como padrão a não ser a si mesmo, possa notar que não enxerga da mesma maneira que as demais pessoas. Como poderia saber que seu verde não era realmente verde, por exemplo? Ou que sua percepção de cores era toda alterada? 
Justiça seja feita, mais do que percepção científica é impossível não reconhecer  em Dalton humildade por ver em si mesmo e não nos outros um defeito de percepção. Ele era quem via errado.
Pensando bem e alargando esse assunto, gostaria de abranger esse tema para muitas outras percepções. 
Todos nós de uma certa maneira enxergamos a partir de nossos próprios pontos de vista. Não seria leviano  afirmar que tudo que enxergo é fruto de minha própria interpretação. Não há como algo ser visto sem qualquer influência daquilo que considero como padrão, mas, lembrando, sempre o meu padrão. Dessa forma, tudo sobre o que falo ou penso e a maneira como ajo deve-se à forma como leio e interpreto a minha realidade e tudo que está ao meu redor. Daí poder-se afirmar que tudo o que vejo é uma construção minha.
Diante disso a pergunta que nos cabe é a seguinte: por que meu ponto de vista é o certo? por que ele é o padrão? Por que o meu verde é que é o verde que determinará os demais? Desde que entendo o outro como alguém que tem também sua própria interpretação não poderia me arvorar do direito de afirmar que o certo é o que penso, o que EU vejo.
Sei que muitas coisas nos servem de parâmetro, mas até determinados padrões são construções culturais, sociais e/ou religiosas, portanto, deveriam ser encarados como uma trilha a ser perseguida e não como trilho. Qualquer expectativa além disso envereda-se pelo perigoso caminho do fanatismo.
Não me tenha por relativista. Sinceramente não é isso que quero mostrar. Apenas desejo destacar a necessidade de vermo-nos como alvos de misericórdia e complacência uns para com os outros em nossas sempre parciais interpretações. Afinal, o outro também vê, assim como eu. 
Só há uma coisa absoluta a ser considerada em qualquer caso: o amor. Portanto, se até a religião que abraço me leva a posições intransigentes e intolerantes em relação ao outro, quem sabe não está mais do que na hora de rever no que ando crendo. Possivelmente me descobrirei um daltônico.


Figura do teste de Ishihara, método utilizado para diagnosticar o daltonismo. O número 8 somente é vísivel para as pessoas de visão normal.
* Texto publicado no jornal O POVO
Dia 26 de fevereiro de 2011
Dia 05 de março de 2011

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Na contra-mão da tecnologia

Desde a semana passada estou como se tivesse cometido um pecado inominável e imperdoável. Um incômodo sugerindo constantemente um conserto, uma retratação. Estou na quase condição de uma herege, ou de alguém que tivesse cometido alguma falta que reclamasse a condição de pessoa civilizada, talvez como tendo caído no décimo e algum mandamento. E, veja só, Isso tudo porque excluí meu perfil do Orkut.
Sinto-me como se tivesse optado pela idade da pedra lascada tecnológica ou coisa semelhante, afinal, pus-me no vértice do mundo em um tempo em que participar de coisas semelhantes é condição para sentir-se viva. Optar por tamanha insanidade em pleno século XXI é como escolher o trotar lânguido de uma mula à celeridade de uma veloz Ferrari.
Mas, se vale uma explicação, ei-la: fiz isso porque cansei de receber scraps adocicados e gentis enviados por pessoas que passam por mim e mal me dirigem a palavra. (O que fizeram com a velha e saudosa franqueza pessoal? Ou com o aconchegante e empático olhar?) Também porque cansei de diariamente precisar olhar minha página por temer que alguém se achasse diminuído por não ter me lembrado de seu aniversário, afinal há dias um aviso estava diante de meus olhos. (Quanta insensibilidade!) E ainda por me sentir na obrigação de responder a todos aqueles que nem sabem como estou, mas, numa espécie de mala-direta cega, distribuem declarações de amizade eterna e fidelidade.
Pode ser que eu me coloque na contramão das tendências atuais entre tantos facebooks, twitters e orkuts que conceituam nossa época. Talvez me caiba bem a definição, contudo,na minha opinião, há certas mudanças que não deviam ser vistas como evolução em termos de convívio social ou relacionamento. Não sinto falta de palavras ternas de quem não se importa comigo e que até há pouco nem lembrava que eu existia. E você pode dizer que estou sendo ingrata ou que nem todos poderiam ser enquadrados dessa forma. É verdade. Não posso ser injusta a tal ponto. Contudo, todos sabem que essa é a regra. Portanto, entendo que não podemos querer substituir a essência de nossos relacionamentos por virtualidades circunstanciais.
Prefiro o abraço apertado, o telefonema saudoso, ou até mesmo um e-mail dedicado de quem nem sempre pode me ver, porque posso me sentir como individualmente lembrada e amada. E se a isso dão o nome de antipopularidade, que seja. O tempo e a idade me ensinaram a não me importar se não consigo, dessa maneira, superar o número de contatos que fariam de mim uma pessoa de invejável perfil.
Tenho a impressão que ainda vou sentir algum tempo como se tivesse cometido algo brutalmente incorrigível. É incrível o que fazem conosco em termos de ditames do que é aceitável e exigível, do que nos torna alguém bem relacionado. Contudo, antes ser tachada de retrógrada a aceitar como prova de bem-querer tantos contatos de quem sequer conheço por um simples e inócuo status. Creia-me, dá para viver sem.


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Esperança*

Acho que hoje descobri o que é esperança: é aquela pontinha de alguma coisa que teima em continuar existindo, mesmo quando você tem mais do que motivos para não acreditar mais. Você pode até chamar de ilusão ou de ingenuidade, mas quero me agarrar a esse fiozinho de expectativa boa – nem sabia que tinha mais – que ainda há dentro de mim, posso? Tudo isso porque ouvi no discurso de nossa recente empossada presidenta da República que os professores devem ser vistos como a autoridade na sala de aula, numa leve alusão que precisamos ser mais respeitados.
Não me prendo ao termo autoridade em si. Não é isso que realmente interessa, mas é que talvez você não tenha ideia de como é se sentir há décadas como o principal (ou seria o único?) culpado pelo descalabro generalizado que há na educação. Se o aluno não é aprovado; se não aprende; se não frequenta as aulas; se desiste antes de terminar o ano; se não consegue discernir o que lê... enfim, tudo é culpa daquele que sai de casa todos os dias só pensando em fazer nada quando chega em sala de aula (segundo o que pensam), e senta-se atrás de um confortável birô, na frente de um quadro multimídia, em uma sala de acústica perfeita, olhando o relógio a cada cinco minutos, enquanto uma turma superinteressada impacienta-se ao não aprender nada naquele dia.
Talvez o Brasil esteja chegando ao ponto de discutir essa relação de forma mais madura. Talvez esteja pronto para parar de procurar culpados e encontrar o lugar que cada pessoa ocupa nessa triste realidade educacional
Não se faz educação só em sala de aula, tampouco apenas com o professor. A sociedade precisa entender que nesse processo há participação plena de todos: desde os exemplos dados pelas autoridades à relação que acontece na família de cada um. Será que é isso que está sendo apontado por nossa líder?
Aquece-me o ânimo pensar que alguma coisa ainda possa acontecer. Mais do que aumento de índices para inglês ver (ou seria búlgaro?), exulto em ainda ter a possibilidade de ver a educação sendo levada a sério.
Não seria a primeira vez que esse tipo de coisa acontece comigo. De vez em quando me vejo querendo crer em algumas coisas atípicas da nossa realidade (loucura ou utopia?), mas o simples fato de ter descoberto isso em mim me fez bem. Pelo menos me fez perceber que ainda creio em milagres.




Ana Valéria Moraes

Texto publicado no Jornal O Povo
em 20 de agosto de 2011
http://www.opovo.com.br/app/opovo/jornaldoleitor/2011/08/20/noticiajornaldoleitorjornal,2280954/esperanca.shtml
em 02 de abril de 2011
http://www.opovo.com.br/app/opovo/jornaldoleitor/2011/04/02/noticiajornaldoleitorjornal,2119204/esperanca.shtml