Apenas um lugar para a gente pensar junto...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Quem vai para o céu?

Tenho uma amiga que costuma regalar-se diante de qualquer coisa que goste muito, premiando o criador da maravilha com a certeza da estada no céu. Outro dia, quando estava deliciando-se com um pedaço de BIS branco, exclamou com os olhos fixos no objeto de seu desejo, quase babando: – Tenho certeza que quem criou esse chocolate está no céu!
Partindo dessa premissa, creio que o céu deve estar muito bem frequentado pelos inventores ou criadores de muitos artefatos, guloseimas e tantas outras coisas que facilitam nossa vida ou dão mais sabor a ela. Por exemplo, quem inventou o sorvete eu não sei, mas sei sim que certamente ele anda lá pelo Paraíso bem rodeado de anjinhos, por tamanho ato de altruísmo ao mundo, refrescando nossa vida.
E quem foram os sagrados inventores do queijo, pão, do cafezinho e do churrasco? Não tenho a menor ideia sequer, mas duvido que não estejam por lá, celebrando, bem acompanhados, suas premiadas criações.
E do saca-rolhas, do martelo, da tesoura e ainda o criador do papel higiênico? Santificados sejam seus nomes, porque de nada valeria uma garrafa de vinho para regar uma ceia, um utilíssimo prego, um tecido chiquérrimo ou um belo banheiro com flores, se nele existisse uma cesta cheia de sabugos.
A algumas invenções, contudo, tenho umas ressalvas, tais como o trabalho ou o tempo. Que seu criador está no céu tenho certeza, é só conferir os primeiros capítulos de Gênesis, mas há de estar bem longe daquele lugar edêmico quem inventou a carga horária obrigatória ou o relógio de ponto e ainda o sujeito que deu vida aos cremes de rejuvenescimento, tinturas e maquilagens que não nos permitem envelhecer sem paranóias. Falando nisso, cedendo a pressão atual, bem aventurado então seja o criador do Photoshop – que esteja a deliciar-se entre nuvens – porque, já que não podemos dizer a idade que temos, negando até o fim a passagem das primaveras, pelo menos em fotos podemos ficar eternamente bem, regalando-nos com essas e outras tantas maravilhas até que a morte nos leve, cheios de anos e babando mais do que nunca.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Nostalgia

Realmente devo estar ficando velha porque ando me sentindo muito nostálgica, às vezes até de situações que não vivi. Percebi isso quando passei a notar algumas situações com um ar de melhores-tempos-idos com uma dor pungente no coração com muita frequencia. Bastava passear com olhos mais abertos ao mundo ou me colocar como simples observadora em fatos do cotidiano. Explico-me:
Como tenho saudade – mesmo sem tê-los vivido algumas vezes – dos tempos em que havia muito mais respeito dos jovens pelos mais velhos, ainda que fosse na simples relação entre pais e filhos ou tios e sobrinhos ou ainda entre alunos e mestres. Não cheguei a ver com meus próprios olhos, mas sei que mal se podia mirar os mais vividos nos olhos sem correr o risco de constituir uma afronta àqueles. Era o tempo em que os termos “senhor” e “senhora” não eram usados apenas como frases de abertura em auditório. Tempos em que tais termos tinham um valor intrínseco de dignidade e não apenas um retórico segundo tratamento a qualquer vossa excelência parlamentar, governamental ou a alguém de maiores posses. Era preciso que fosse honrado para possuí-lo.
Tenho saudade do tempo em que certas palavras eram tidas como de baixo calão, sem meios termos ou consideradas como “graciosidade irreverente”, e eram encontradas, apenas, na boca dos sem-educação ou compostura não em pessoas de respeito, escancaradas em discursos políticos, alardeados aos quatro cantos da nação ou desencandeando risos e aplausos em platéias .
Ah, como é saudoso o tempo em que podia-se passear na rua a qualquer hora sem se correr o risco de ser agredida por imagens ou gestos e comportamentos obscenos que atentam ao pudor, sem a desculpa de serem tidas como expressão artística, liberdade dos tempos ou vistas com um olhar complacente justificável, frutos da ocasião.
Lembro-me ainda dos tempos em que o lugar para se guardar economia era sob o colchão, alvo certo dos ladrões em romances antigos. Acho que por isso me lembro sempre das palavras do meu avô que me dizia que de um homem de palavra bastava apenas o fio de bigode como penhor. Aqueles sim deveriam ter sido bons tempos, porque não havia a necessidade de buscar dinheiro em outros lugares, muito menos nas roupas de baixo do homens, supostamente de honra, de hoje.
Tenho saudade ainda do tempo em que as palavras traduziam o sentido por si só – elas diziam o que foram feitas para dizer – e que o eufemismo era apenas uma figura de linguagem usada como recurso para os mais cautelosos. Assim roubar não era “arrastar”, “ganhar”, “ter um novo dono” ou “esperteza”; desvio de verbas não era “superfaturamento”, mentira não era “faltar com a verdade”; suborno não era “agrado”, “molhar a mão”, “tôco”; prostituta não era “garota de programa” ou “profissional do sexo” e condenados em primeira instância não eram tidos como “homens de comportamento ilibado”, estando aptos ao desempenho de cargos de confiança até que se provasse o contrário.
Até das músicas de outrora sinto nostalgia por suas melodias mais elaboradas, beleza harmônica e letras ricas onde não havia a propagação aceitável de mensagens que estimulam a violência, ao sexo irrespónsável e onde as mulheres não eram chamadas de cachorras e safadas, e os homens de raparigueiros, sem que os ouvintes se sentissem agredidos.
Não quero sacralizar os tempos idos como os melhores em tudo. Não sou ingênua. Há muitas coisas que marcaram épocas já vividas de tal forma que sentimos alívio por não existirem mais. Contudo, há outras que sinceramente me fazem falta. Talvez tenha envelhecido mesmo, talvez esteja mais com os olhos no passado que deveria, contudo, saudosismo legítimo ou não, tenho a absoluta certeza que nossa compreensão do certo, honroso é que não é mais a mesma. O problema então não seria o tempo, mas o que fizeram com o que temos hoje, ou, pior, o que fizemos conosco mesmos.