Apenas um lugar para a gente pensar junto...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Outros porquês

Qualquer pessoa sabe que na vida de uma criança há a fase dos porquês. É um momento muito peculiar em que ela começa a descobrir as coisas da vida, e assim, deslumbrada, questiona as suas causas, processos e motivações.
Quero, mesmo tendo deixado há tanto tempo a infância, dar-me o direito de novamente passar por essa época e entender algumas coisas que estão encobertas por nossa auto-suficiência adulta.
Quero inquirir o que já não está aparente pelos anos de "experiência de vida" que acabaram por calar as nossas vozes interiores.
Quero só perguntar:
Por que é tão difícil lidar com o mundo?
Por que nem sempre somos o que parecemos ser?
Por que disfarçamos o nosso verdadeiro eu nos ocultando por trás de gestos ensaiados e emoções plastificadas?
Por que muitas vezes não falamos o que pensamos nem o que se precisava dizer? Ou falamos sem pensar o que não se precisava afirmar?
Por que é tão difícil sermos verdadeiros sem nos sentirmos vulneráveis?
Por que tantas vezes nos sentimos como se estivéssemos enfrentando um adversário em pleno combate mesmo nas nossas relações mais amigáveis?
Por que precisamos jogar; driblar; camuflar?
Por que tantas vezes ficamos armados?
Por que simplesmente não podemos viver ao sabor do que a vida pode nos proporcionar sem nos sentirmos mal com isso?

Quando nos deparamos com crianças naquela fase com tantas perguntas nossas respostas evasivas ou simplórias são mais do que suficientes para saciar sua curiosidade infantil. Quisera eu me dar por satisfeita da mesma forma e com a mesma disposição. Mas, receio que na trama da vida nem sempre a melhor intenção de resposta faz calar as nossas mais íntimas inquietações.
Então, por que mesmo?...


Ana Valéria

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

GREVE ILEGAL = ENXOFRE NO AR

Há algum tempo, para a minha desventura, deixei de acreditar em algumas coisas fundamentais. Ah, sim, como foi triste deixar de acreditar que não existe mais Papai Noel. A realidade de que não há um bom velhinho que nos presenteia a todos, indiscriminadamente, a cada final de ano é cruel demais, e nada há de interessante em saber que nosso pai é que se esforça por cumprir esse papel. Aqueles que podem, é claro, o que ainda é pior!
Percebi também que nem todo “era uma vez”  dos contos de fadas tem como final um “foram felizes para sempre” na vida real. Afinal, todos conhecemos alguma gata borralheira que morreu nessa condição sem nunca ter conhecido um resgatador príncipe encantado ou deixado de padecer sua sorte. A propósito, é bom lembrar ainda  que nenhum sapo, após um corajoso beijo de uma bem intencionada mocinha, se transformará naquele idílico personagem.
Deixei de acreditar, para minha tristeza, que é fácil ganhar em um sorteio ou na loteria, como o prêmio acumulado da Mega Sena. Mas isso é óbvio de constatar, caso contrário, tal prêmio não se acumularia com tanta frequência.
Contudo, essas percepções reais da vida, apesar da dor pela perda do romantismo que trazem em si mesmo, não me causaram tanta consternação quanto a compreensão do que há de podre no cenário político de nosso Estado e de nosso País.
Nada dói tanto quanto deixar de acreditar nas instituições que um dia nos ensinaram existirem para nos proteger. É terrível perceber como se manipulam as regras para subverter o direito. É repugnante sofrer na pele as alianças espúrias que nos roubam o que nos seria justo.
Como acreditar em um sistema corrupto, onde a lei só existe para privilegiar os mais abastados ou detentores do poder? Como ainda crer em uma justiça que tem seus olhos vendados para que possa ser imparcial em seus julgamentos, quando tão facilmente sentenças são determinadas de acordo com os conluios indecentes? Como esperar na regra constitucional da existência de poderes independentes e harmônicos entre si se o que vemos é a troca de interesses ditar as regras, mesmo que para isso se passe por cima dos direitos também constitucionais? Pasmem: quando executivo e judiciário se aliam obscenamente só resta o cheiro de enxofre, empestando o ar.
Deixei de crer. Não sei se amadureci ou desvaneci, mas algo foi apagado do brilho dos meus olhos. Contudo, em algo ainda creio: que o valor da luta pelo bem é maior do que uma sentença que a torna ilegal. E que na corrupção nem o que a propõe nem o que a aceita valem tanto quanto a decência da gente que por eles tem sua vida destruída de seus sonhos.
Adiante, professores!

Ana Valéria Moraes

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

sábado, 20 de agosto de 2011

O Deus em que creio


A cada dia que trilho a via que me levará ao encontro com meu Criador vejo que a minha ignorância com relação às coisas eternas aumenta. Isso porque o conjunto de paradoxos que a contemplação de Deus me traz só faz aumentar e me deixa cada vez mais perplexa. Ela vai se magnificando como um aparente quadro de contradições que me convida a abrir mão até da “sensatez” em nome de algo que extrapola minhas percepções mais “fiéis”. Algo até sem sentido, mas de uma profundidade gigantesca tanto quanto plenamente alcançável até pela mais simples das pessoas. Deixa eu ver se me faço entender:
Creio em um Deus que se faz presente em todas as situações, mas que é também intangível, inaudível e invisível;
Creio em sua misericórdia que me torna alguém merecedora mesmo que eu não mereça nada e alguém digna de seu olhar enquanto divide sua atenção com a manutenção do brilho das estrelas mais longínquas;
Creio no seu amor infinito que traz a reboque um cuidado constante comigo na mesma medida em que me deixa livre para dar minhas próprias cabeçadas;
Creio que não há outra maneira de guiar a vida que sendo guiada por Ele, sem que isso signifique perda da autonomia ou passividade diante do que nos ocorre, mas também sem me isentar da responsabilidade de minhas próprias decisões;
Creio que só se pode ter fé quando se abre mão de saber de tudo, conhecer tudo, ver tudo... e ainda descansar nisso;
Creio em um Deus inteiramente outro, mas que se faz próximo, ao meu lado, e que se faz tão distante que não posso conhecê-lo completamente;
Creio ainda em um Deus que está além de tudo que eu possa vasculhar, tão maior do que eu possa reter e tão profundo que eu possa alcançar, mas que me ama independente das limitações que tenho.
De fato é grande minha ignorância, minha lista de “creios” poderia se estender bastante, mas essa falta de conhecimento não me sufoca ou me envergonha, apenas me deixa extasiada diante do Incomparável.
Assim, limito-me a simplesmente reconhecer que por não saber, sei nele e que justamente por ser ele muito maior do que eu possa conter ou conceber faz-se dessa forma ser Deus – o meu poderoso Deus.
Ana Valéria


(Texto publicado em um blog meu, anterior a este: http://avmoraes.blogspot.com)

sábado, 25 de junho de 2011

A História de Cabacinha*


Cabacinha era um homem pra lá de valente! Sua alcunha surgira de uma história ocorrida quando ainda era vaqueiro. Segundo ele, um dia, depois de vagar por horas conduzindo umas vacas, se valeu de uma cabaça que encontrou e fez dela uma espécie de chapéu, protegendo sua cabeça de ralos cabelos. De lá pra cá nunca mais a tirara. – Era mais confortável – afirmava, mostrando o formato arredondado do artifício, o que lhe valera não apenas o apelido, mas a desconfiança de que não tinha o juízo muito bom.
Fazia questão de manter a sua fama, e aqueles que ainda não lhe tinham percebido a fraqueza das ideias, corriam com medo, preferindo não ter que conferir a veracidade de suas palavras.
De altura mediana e porte franzino, só a sua presença não assustava ninguém. Andava sempre com uma roupa puída, alpercatas bem surradas, faca na cintura e um cigarro de palha úmido que teimava em ficar apagado. Sua idade ninguém sabia, nem ele, mas certamente beirava os quarenta.
Fora assim até que um dia, na sua cidade, chegou alguém que parecia ter menos zelo com a própria vida que ele e ainda anunciava ter coragem superior.
Com altura semelhante a de seu adversário; Chico Peão, que acabara de chegar, tinha cabelos curtos e em desalinho; corpo mais roliço; roupa gasta e peito aberto até quase o umbigo com uma medalha pendurada ao pescoço; uma peixeira sob o cordão que lhe segurava as calças e chinelo de dedo de couro fedido. Um quarentão.
Dizia e acontecia. Limpava as unhas com canivete; aparava o vasto bigode com faca; apagava o cigarro na mão..., construindo a figura do homem que poderia desafiar o valentão dali. Mas, o tempo passava e nada disso acontecia, atiçando a todos para saber quem permaneceria com a fama.
Um dia, chegou o momento esperado daqueles dois se cruzarem. Até ali, nenhum deles ignorava a existência do outro, no entanto, mantinham-se à distância, para manterem suas reputações a salvo.
O mercado já estava aberto há tempos naquela manhã e com um movimento intenso. Os boxes estavam lotados de frutas, verduras, cereais, carne seca, rapadura e algumas novidades vindas da capital. O cheiro de carne cozida misturado com o odor de frutas muito maduras passava a ideia de fartura, coisa tão preciosa ao sertanejo.
Cabacinha acordara cedo e tivera a ideia de ir lá para ver a agitação. Com a mesma motivação, seu adversário foi também. Não passou muito tempo e os dois se viram, mas se ignoraram, contudo, logo chamaram atenção dos que passavam, exigindo uma reação. Palavrões e ameaças foi o que o prevaleceu sem que nenhum dos dois tomasse a iniciativa do combate. Vendo a população que nada acontecia, alguém sugeriu um desafio: aquele que conseguisse segurar o touro mais valente das redondezas pelos chifres era o mais macho.
No dia marcado toda a população estava no lugar combinado. A ansiedade tinha tomado conta de todos, mas, eles não compareceram, nem Cabacinha, nem Chico Peão, só o touro.
Hoje, muito tempo depois, se fala de um casal de velhos de uma cidadezinha distante, que vive junto, como marido e mulher, e que um deles usa um apetrecho estranho na cabeça.

Ana Valéria

*Conto meu publicado no Jornal O Povo (25/06/11)

terça-feira, 21 de junho de 2011

A MACONHA E OS PALHAÇOS

Será que eu entendi mesmo?
Quer dizer que agora é legítimo o ato de ir às ruas manifestar-se a favor da liberação do uso da maconha , porque isso é apenas uso da liberdade de expressão, mas professores do município que manifestam-se para evitar a votação de um projeto enviado pela prefeitura de Fortaleza que vai totalmente contra a categoria não é legítimo? Como assim?
Quer dizer que protestar a favor da maconha pode, mas protestar contra um projeto que fere o piso nacional instituído pelo Governo Federal não pode?
Quer dizer que fazer uso do direito legítimo de greve, quando esgotaram-se todas as vias de negociação, é apenas um ato político e tal dispositivo é ilegal e abusivo, mas não acatar uma Lei sancionada pelo Presidente da República não é?
Quer dizer que são dignas de apoio as pessoas que vão às ruas para dizerem que a maconha deve ser liberada, mas dignos de spray de pimenta na cara os profissionais que abominam uma disposição “legal” que criaria remunerações distintas entre os de nível médio e os de nível superior?
Não vou entrar no mérito quanto ao uso da maconha. Se deve ser liberada ou não, deixo ao experts da área. Mas não poderia calar-me quanto ao que fazem à categoria da qual faço parte. Para dizer o mínimo: isso é uma incoerência e serve claramente para deixar patente o papel que os educadores têm nesse país: PALHAÇOS!

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Racha no Evangelho

Há poucos dias mais um racha aconteceu na já combalida Igreja Betesda. Alguns pastores afastaram-se definitivamente com suas congregações (de forma sorrateira) daquela que lhe servia de ancoradouro. Lamento o ocorrido, nem tanto pelo afastamento, porque acho que algumas dessas já não faziam parte há muito tempo da igreja-mãe, mas pela forma como aconteceu.
Segundo cogita-se, o que teria levado a isso foi a entrevista do Pastor Ricardo (presidente nacional da Betesda) à revista Carta Capital, em que posicionou-se a favor do reconhecimento da união civil de homossexuais.
Como disse uma amiga minha, a reação foi intensa por ter mexido nos preconceitos de muitos, já que nem todos sabem lidar com eles. Contudo, questiono qual o maior prejuízo: se reconhecer como legítimo o que o STF já referendou, evitando assim injustiças a inúmeros cidadãos e cidadãs pagadoras de impostos, portanto com todos os direitos civis a serem resguardados, ou achincalhar o nome de um líder cristão na medida em que deturpam a sua palavra, fazendo-o cheirar a enxofre por divergência de opinião?
Homens e mulheres merecem ser respeitados, independente, inclusive, de sua orientação sexual, é o mínimo que se espera de cristãos. Morro de vergonha quando penso que rebuliço semelhante deve ter acontecido quando na aprovação da lei do divórcio e hoje convivemos muito bem com pessoas nessa situação, reconhecendo suas peculiaridades!
Quando a Igreja vai amadurecer e aprender a separar as coisas? Quando vai compreender que vivemos em um país laico e que assumir posições radicais desse tipo apenas reforça o estereótipo de que ela é retrógrada, conservadora, antipática e pouco dada ao diálogo com aqueles que não compartilham de suas respostas prontas?
Reconheço que um assunto como esse merece uma reflexão, mas acredito que pior do que mostrar-se compreensivo quanto a ele, é sair na surdina, carregando o patrimônio da congregação nas costas, deixando os desavisados a indagar-se onde fica o tal enorme amor de Deus principalmente nessas horas.
Com certeza não era isso que Jesus tinha em mente quando idealizou nossa missão evangelizadora.

Ana Valéria
Em tempo: aos interessados, segue abaixo o link da entrevista do Pr. Ricardo:
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-pastor-herege