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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Daltonismo Religioso*

Esses dias lembrei-me de uma anomalia visual congênita bem peculiar: o daltonismo. Não sei se você sabe, mas daltonismo é o impedimento visual da percepção de uma ou mais cores. Dessa forma, quem apresenta esse distúrbio não percebe as cores como os de visão normal. Assim, há aqueles que não distinguem os tons verde e vermelho, outros o azul e o amarelo, outros que enxergam apenas em preto e branco e, por último, há os que percebem os tons das cores alterados. 
John Dalton

Lendo um pouco mais a respeito (aos que não sabem leciono Biologia, por isso meu interesse) uma coisa em especial me chamou a atenção: saber que John Dalton, o cientista que primeiro definiu tal distúrbio, era, ele mesmo, seu portador. Veja que interessante: não sei porque mas um dia ele notou que a cor que percebia em sua retina não era a mesma cor que outras pessoas viam e isso o levou à descoberta de seu distúrbio visual.
É intrigante pensar como alguém, sem ter algo como padrão a não ser a si mesmo, possa notar que não enxerga da mesma maneira que as demais pessoas. Como poderia saber que seu verde não era realmente verde, por exemplo? Ou que sua percepção de cores era toda alterada? 
Justiça seja feita, mais do que percepção científica é impossível não reconhecer  em Dalton humildade por ver em si mesmo e não nos outros um defeito de percepção. Ele era quem via errado.
Pensando bem e alargando esse assunto, gostaria de abranger esse tema para muitas outras percepções. 
Todos nós de uma certa maneira enxergamos a partir de nossos próprios pontos de vista. Não seria leviano  afirmar que tudo que enxergo é fruto de minha própria interpretação. Não há como algo ser visto sem qualquer influência daquilo que considero como padrão, mas, lembrando, sempre o meu padrão. Dessa forma, tudo sobre o que falo ou penso e a maneira como ajo deve-se à forma como leio e interpreto a minha realidade e tudo que está ao meu redor. Daí poder-se afirmar que tudo o que vejo é uma construção minha.
Diante disso a pergunta que nos cabe é a seguinte: por que meu ponto de vista é o certo? por que ele é o padrão? Por que o meu verde é que é o verde que determinará os demais? Desde que entendo o outro como alguém que tem também sua própria interpretação não poderia me arvorar do direito de afirmar que o certo é o que penso, o que EU vejo.
Sei que muitas coisas nos servem de parâmetro, mas até determinados padrões são construções culturais, sociais e/ou religiosas, portanto, deveriam ser encarados como uma trilha a ser perseguida e não como trilho. Qualquer expectativa além disso envereda-se pelo perigoso caminho do fanatismo.
Não me tenha por relativista. Sinceramente não é isso que quero mostrar. Apenas desejo destacar a necessidade de vermo-nos como alvos de misericórdia e complacência uns para com os outros em nossas sempre parciais interpretações. Afinal, o outro também vê, assim como eu. 
Só há uma coisa absoluta a ser considerada em qualquer caso: o amor. Portanto, se até a religião que abraço me leva a posições intransigentes e intolerantes em relação ao outro, quem sabe não está mais do que na hora de rever no que ando crendo. Possivelmente me descobrirei um daltônico.


Figura do teste de Ishihara, método utilizado para diagnosticar o daltonismo. O número 8 somente é vísivel para as pessoas de visão normal.
* Texto publicado no jornal O POVO
Dia 26 de fevereiro de 2011
Dia 05 de março de 2011

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